quinta-feira, 3 de outubro de 2013

É tão difícil conviver com a angústia e a espera. Tudo está longe demais, não consigo avistar o fim, o final nunca chega, nem o começo do fim. Seus olhos desviam tão facilmente dos meus, ainda não os conheço perfeitamente, mas seu sorriso sei de cor. Os dias, no entanto, passam devagar. Queria poder ficar ao seu lado e somente ao seu lado, mas a vida me arrasta para longe, cada vez mais longe.

Não consigo te olhar como eu gostaria, tenho miopia, não enxergo o que está longe. Quando estamos perto, há sempre alguma pressa, algum problema que atrai nossa atenção e nos preocupa, sendo que o que há de mais puro e valioso acaba sendo esquecido em meio a preocupações de ordem financeira ou temporal.

A vida, essa menina travessa, te trouxe de repente e rapidamente pra perto de mim. Da mesma forma, ela nos separa com a mesma destreza. Ela me arrasta pra longe de ti. Tento me segurar, mas não vejo base alguma. Me sinto em um barco sem remo, onde o nada e o tudo me cercam. Me dizem que preciso lutar, trabalhar muito, para então poder concretizar meus sonhos, para só então poder pensar em estabilidade. Mas, meu bem, meu barco não tem remo e eu sou impaciente por natureza. Não sei esperar o vento me levar a algum lugar qualquer, não sei remar com as próprias mãos, não sei nadar, nem voar. Sobretudo, não sei enfrentar as ondas dessa vida. E nunca fui assim, muito de sonhar. Aliás, eu já fui de sonhar, mas agora cansei.

Não aguento mais viver sem avistar o horizonte, viver sem tempo pra nós ou com pouco tempo. Te olhar pensando na hora de ir. Sorrir, pensando nos problemas. Não aguento mais pensar que daqui um tempo tudo vai ser diferente, vamos estar distantes e isso é um fato. Não consigo mais olhar as ruas por onde andamos e lembrar do nosso futuro incerto, longe de tudo que vivemos antes e vivemos hoje.
Me incomoda te ver e só falarmos de dívidas, contas, problemas. No entanto, essas coisas nos cercam de tal maneira...não sabemos esquecer. Nem você, nem eu. Há quanto tempo não vamos ao cinema? Há quanto tempo não saímos juntos, bem arrumadinhos, com aquele frio na barriga que da no começo do namoro? Há quanto tempo saímos SEM FALAR EM PROBLEMAS? Há quanto tempo  não vamos a um restaurante sem falar em GRANA? Sabe, eu to cansada...sei que temos muitos problemas e eles nos cercam, mas vamos ficar estragando todos os momentos falando disso? Que tal  nos dedicarmos mais livremente ao outro? Eu estou indo embora daqui a pouco...sei que vamos nos ver apenas aos fins de semana, sei também que somos pobres e não temos dinheiro para noivar, casar, comprar apartamento e nem se manter... essas coisas rodeiam minha mente e me estressam, me entristecem também. No entanto, será que custa a gente ir passear juntinhos sem falar mais nessas coisas? 
Precisamos mais de entrega, e de entrega total. Esquecer de tudo quando estamos juntos. Estou falando de nós, não de você nem de mim. 
Não, eu não vou conseguir viver 5 dias da semana longe de você...e isso me desespera e me tira a vontade de estudar, de viver, de pensar em coisas boas...me desanima. Estou mal, tenho medo de te perder, medo de ficar longe e isso eu sei que vou ficar. 

Quero um momento de paz, quero momentos alegres, quero que a gente se divirta juntos, sem medo de ser feliz, Fiquei triste quando vc me disse hoje "to devendo 5 mil no banco porque quis fazer todas suas vontades e me ferrei" presta atenção no que vc disse...vc me chamou de culpada por sua dívida, sendo que eu DUVIDO que vc gastou 5 mil reais apenas comigo, para "fazer minhas vontades" naqueles primeiros meses de namoro. Somando tudo, pode até dar mil reais, mil e pouco, mas 5 mil não da. E além disso, não, eu nhão tenho culpa. Eu também comecei a me ferrar financeiramente depois que comecei a namorar com vc, mas não jogo isso na sua cara e não atribuo a você minha falta de dinheiro.

Queria chegar logo na parte boa, sabe? queria chegar logo na parte em que, sorridentes e felizes, nós trocamos alianças de noivado e damos entrada em um apartamento. Queria chegar na parte em que vc não fala mais pra mim que ta devendo 5 mil por minha causa e nem que não vai mais me levar em casa pra economizar dinheiro (sendo que sempre fez isso e daqui apenas 2 meses não vai fazer isso nunca mais, já que vou estar morando bem longe). Espero que o episódio de ontem tenha sido apenas uma desculpa mesmo, e que ele não se repita mais...espero, sobretudo, que a mesma vida que nos aproximou depressa, seja capaz de nos unir depressa. No entanto, ela parece é mesmo nos levar pra cada vez mais longe um do outro e quando estamos juntos só sabemos falar ou pensar em grana, essa merda que o ser humano criou. 
Isso me entristece. Queria não pensar em nada ao seu lado, viver momentos felizes sem ficar falando em dinheiro. Tenho muito desejo de me arrumar pra sair com vc, de me embelezar pra sair com vc...de sentir aquela emoção de inicio de namoro. Tenho muito desejo de ficar apenas te olhando, sem pensar em nada, vontade de pensar apenas em te amar e em MAIS NADA. Deixar os problemas na puta que pariu e me concentrar em você, por longas horas, sem pensar em ir embora, sem pressa, sem pensar em pais nem em dinheiro. 
Tenho muita sede por você, tenho sede pelas curvas do seu corpo, vontade de me perder no seu sorriso e me encontrar em seus olhos. Vontade de admirar você por inteiro sem que NADA ou NINGUÉM desvie minha atenção. Quero a paz de um dia feliz ao seu lado sem falar em problemas. Melhor presente de aniversário. 

















Hoje de manhã tinha uma gatinha ou um gatinho deitado na calçada, fiquei muito triste pq quando cheguei perto, vi que estava morta ou morto. Fiquei mal, fiquei pensando o quanto qualquer forma de vida é frágil, a gente ta aqui, de repente é resto.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O portão e a janela

Ela me acordou e abriu a janela. Me abraçou. Desejei boa aula e ela respondeu: "para você, bom trabalho...quer dizer, boa aula também...os dois".
Desceu as escadas. Trancou a porta, girando duas vezes a chave dentro da fechadura. Desceu os degraus carregando a mochila pesada. Olhou pra cima para ver se eu realmente ia observá-la pela janela. Sorriu ao me ver, e isso meus olhos míopes conseguiram perceber. Foi caminhando pela vila carregando a mochila, que rodava pelo chão fazendo um barulhinho. Parou no portão. Olhou pra trás, certificando-se se eu ainda estava na janela. Sorriu outra vez. Olhava para fora. Olhava para trás, para mim. Eu acenava, ela retribuía. Acenei outra vez, ela achou que eu a estivesse chamando, eu não estava, mas ela veio correndo pra baixo da janela e perguntou o que eu queria dizer. Eu inventei qualquer resposta, pois não consegui dizer a ela que na verdade aquele gesto era apenas um "até logo", então respondi: "é que eu preciso pegar os óculos, porque não estou te enxergando lá longe. Espera aí, que eu já volto."
Procurei os óculos rapidamente para não deixá-la sozinha lá embaixo da janela, porém, não os encontrei. Ela sequer questionou. Quando retornei à janela, ela simplesmente voltou correndo pra perto do portão. 
Continuei forçando a vista para conferir que ela estava realmente em segurança. O carro chegou. Ela saiu pelo portão e entrou lá dentro. Não lembro dela ter acenado. Talvez fosse culpa da miopia. Vazio.

sábado, 2 de março de 2013

Trabalho de Sociologia: Simmel


Trabalho. Tema: Sociologia alemã.


Primeira Questão

No texto Comunidade e Sociedade como entidades típico-ideais Ferdinand Tönnies ressalta logo no início do texto que as vontades humanas possuem relações múltiplas entre si. Cada uma dessas relações são também ações que podem ser positivas ou negativas, mas são essencialmente recíprocas, ou seja, exercidas por uma parte e consequentemente recebidas ou aceitas pela outra.  Contudo, Tönnies debruça-se exclusivamente sobre o estudo das relações positivas no referido texto. Logo no início do texto o autor define o termo associação como sendo um grupo formado por relação positiva, enquanto ser ou objeto que age de uma maneira homogênea para dentro ou para fora.
A associação está entrelaçada tanto a essência da comunidade quanto ao conceito da sociedade pois em ambas as relações entre indivíduos se faz presente e necessária, ainda que de maneiras distintas. A vida em comunidade remete-nos à ideia de confiança, intimidade. Em contrapartida, a sociedade é o que é público, é o mundo e soa como misteriosa, já que o homem se encontra em comunidade desde o nascimento. Porém, na sociedade, formada por indivíduos independentes uns dos outros, entra-se “como em terra estrangeira”.
Há uma tendência a valorização da vida no campo porque nela a comunidade é mais forte e carrega naturalmente a característica de um organismo vivo, além de ser compreendida como durável e verdadeira, enquanto a sociedade é passageira, aparente e funciona mecanicamente.
Em teoria da comunidade, destacam-se, de acordo com Tönnies, algumas associações considerada recíprocas e imediatas: a relação entre mãe e filho, entre homem e mulher enquanto esposos e a relação entre irmãos e irmãs. De acordo com o autor, quanto menos os homens ficarem em contato uns com os outros, mais se comportarão como sujeitos livres dependentes de suas próprias vontades, ainda que estejam em comunidade. No entanto, ressalta que para a formação da individualidade existe alguma vontade comum, que pode ser o espírito de família ou algo semelhante a ele. Enquanto vontade própria de uma comunidade, deve haver a compreensão, ou seja, sentimentos recíprocos associados que representa a força social a associar os homens enquanto membros de um todo.
As raízes de todas as relações (associações) são compostas primeiramente pelos laços de sangue, em segundo lugar, pela aproximação dos indivíduos no espaço e finalmente na aproximação espiritual entre eles. A língua é um fator importante, pois aproxima e une os sentimentos humanos e possibilita a formação de grupos. A partir desses grupos e suas modificaçoes, formam-se os complexos determinados pelo solo: país, província e aldeia. A cidade, por sua vez, desenvolve-se e encontra seu acabamento num espírito comum que lhe mantém a coesão. É nela que se formam a associação do trabalho, a corporação e a comunidde religiosa, que  é, segundo Tönnies,     a última e mais alta manifestação da qual a ideia de comunidade é capaz.  As diferentes formações aqui expostas, provêm da família.
Em contrapartida ao que entende-se por comunidade, e de acordo com a teoria da sociedade, esta última é definida pelo referido autor como um grupo de homens que vivendo próximos uns aos outros, como na comunidade, não estão organicamente unidos, mas sim organicamente separados, apesar de toda ligação que há entre eles. Na sociedade, há a predominância da individualidade, vive-se em  constante estado de tensão com relação aos outros e as interações humanas são baseadas principalmente na troca, de modo que ninguém deseja conceder algo ao outro, a não ser em troca de alguma retribuição equivalente à sua concessão. As ações de doação e do recebimento devem conter implicitamente uma vontade social, de modo que ambas devam coincidir no tempo. Na sociedade, não existe bem comum.
A vontade comum expressa na troca, na medida em que esta última é considerada como um ato social, chama-se contrato, resultante de vontades divergentes que se cruzam em algum ponto. Cada troca realizada na sociedade é considerda como geradora de obrigação. A capacidade de determinada pessoa em concluir contratos e obrigações, faz com que possa ser considerada objetiva, na medida em que a sociedade parece participar dela e consequentemente confirmar nela sua existência. Assim, ela se torna sujeito da sociedade. Sendo que cada pessoa busca na sociedade sua própria vantagem, a relação de todos para com todos pode ser compreendida, ainda que fora de cada contrato ou convenção, como uma hostilidade ou como uma guerra latente. Compradores e vendedores situam-se sempre e tal maneira que cada um deseja obter o máximo do bem do outro, com o mínimo de prejuízo possível. Por fim, a perda de um é ao mesmo tempo o ganho do outro. Isso é a concorrência geral, que ocorre em diversos domínios, mas mais claramente no comércio e consequentemente, na cidade grande, onde nota-se a intensificação do comércio.

Segunda Questão
A cultura moderna desenvolve-se rumo a preponderância do objetivo sobre o subjetivo, enquanto o desenvolvimento espiritual dos sujeitos se dá de forma lenta ou desigual, quando comparado ao da cultura objetiva. A divisão do trabalho, por sua vez, exige do singular uma realização unilateral, atrofiando a personalidade do indivíduo, que encontra-se cada vez mais incapacitado de se sobrepor à cultura objetiva.
Em meio a sociedade moderna e a divisão do trabalho, a subjetividade deu lugar a objetividade. A cultura individual foi atrofiada mediante a hipertrofia da cultura objetiva.  O indivíduo da  grande cidade que é tipicamente voltada para um caráter de diposição desigual entre as culturas, tornou-se apenas uma partícula da organização gigantesca que gradualmente lhe subtraiu espiritualidades e valores. Assim, o espírito tornou-se impessoal e a personalidade não teve forças para se contrapor a isso.
O dinheiro, que segundo Georg Simmel pode ser considerado como o “deus da modernidade”, rege todos os trâmites da cidade grande com sua superficialidade característica. Além disso, seria o responsável por ter  transformado tudo em abstração, de modo que as pessoas comprem e comparem coisas de acordo com a lógica contábil enquanto estabelecem relações superficiais entre si, visando sempre o interesse próprio. Aqui, cada indivíduo pode ser considerado comprador e comerciante.
A vida na cidade funciona como uma máquina, onde os indivíduos são responsáveis por fazê-la funcionar,  já que todos estão imersos nesse sistema de trocas, de divisão do trabalho e vivem de acordo com o relógio, pois a  técnica da vida na cidade grande não é concebível sem que todas as atividades tenham sido ordenadas em um esquema temporal fixo.
Imersos num sistema essencialmente racional, objetivo, contábil, pontual e técnico os indivíduos, cujo espírito não consegue sobrepor-se às características do espaço, tornam-se também racionais, objetivos, contábeis, pontuais e técnicos. Dessa forma, seus nervos, extremamente estimulados pelo meio, tendem a não reagirem mais de forma adequada a estímulos do meio, configurando por fim o que Simmel chamou de “caráter blasé”, fenômeno anímico reservado de modo incondicional à cidade grande.


Terceira Questão

De acordo com Gerog Simmel, o caráter blasé é um fenômeno anímico reservado principalmente à cidade grande e surge inicialmente como consequência da pressão do meio sobre os estímulos nervosos, a partir dos quais parece provir também a intensificação da intelectualidade. Há duas situações fisiológicas que podem contribuir para o caráter blasé: uma vida desmedida de prazeres e o estímulo das impressões inofensivas que mediante a rapidez de sua mudança, extraem dos nervos sua força. Assim, a incapacidade de reagir aos novos estímulos com o montante adequado de energia pode ser definida como caráter blasé, que, segundo Simmel, atinge todo filho da cidade grande por esta última exigir tanto de seus estímulos que o indivíduo torna-se incapaz de responder adequadamente a eles.  Diante da atitude blasé, o indivíduo percebe o significado e o valor das coisas como nulos, ou seja, não se atem a pequenas distinções, torna-se indiferente. Essa disposição anímica é um reflexo da economia monetária na medida em que o dinheiro compensa de modo igual toda a pluralidade das coisas, exprime todas as distinções qualitativas entre elas mediante o fator quantitativo e consequentemente corrói o núcleo das coisas e sua imcomparabilidade. Logo, a cidade grande, enquanto centro de circulação de dinheiro, é também onde o caráter blasé impera absoluto.
Em suma, enquanto os habitantes das grandes cidades são pressionados pelo ambiente a estimularem ao máximo seus nervos, consequentemente tornado-os incapazes de responderem adequadamente a estímulos, há a intensa presença da economia social. Esses fatores comprimem homens e coisas, fazem com que os nervos acomodem-se aos conteúdos e à forma da vida na cidade grande, valorizando certas naturezas sob o preço de desvalorizar o mundo objetivo, culminando no que Simmel chamou de atitude blasé.



Quarta Questão
De acordo com Simmel, a forma estrangeiro condiz com alguém que fixo em determinado raio espacial, é considerado análogo ao espaço devido a transfronteirização que carrega consigo. Possui uma característica espacial daquele que trafega. Em outras palavras, o estrangeiro é aquele que estando em determinado local não pertence a ele e suas qualidades não provém dele e nem nele andentram. É o estranho, um outro, não proprietário do solo. Seu caráter simbólico parece aproxima-lo do comércio, já que apenas o comércio permite combinações ilimitadas e propõe maior acolhemimento do que a produção primária. Simmel acrescenta ainda que a história dos judeus europeus é um exemplo clássico deste processo onde estrangeiros trabalham no comércio.
Ainda que membro de determinado grupo, o estrangeiro é considerado como alguém de fora. Assim, as relações se dão por um certo distanciamento pois os demais membros do grupo levam em consideração o fato de o estrangeiro ser também membro de outro determinando grupo estranho a eles. Portanto, os contatos para com o estrangeiro são estreitos e remotos, fruto da atribuição que se faz a referida forma (estrangeiro) como absolutamente móvel e não vinculada organicamente a nada e a ninguém, ainda que possa manter contato específico com os demais.
O estrangeiro, sendo o estranho ao grupo, é visto pelos outros como um não pertencente, ainda que seja membro orgânico do grupo. O autor ressalta também, que por estar em posição de proximidade ao mesmo tempo que de distanciamento, o estrangeiro pode ser o mais apto a analisar e julgar determinada situação. É importante ressaltar também, que em situações conflitantes a forma estrangeiro surge como uma problemática em potencial, por ser caracterizada como estranha ao grupo e consequentemente contribuir para a construção social do estrangeiro como inimigo.

Referências bibliográficas
SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito [orig. al. 1903]. Trad. L. Waizbort. Mana, vol.11 no.2. Rio de Janeiro. 2005.
SIMMEL, Georg. “O estrangeiro”. In: Soziologie. Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung (Sociologia. Estudos sobre as formas de sociação). Berlim: Duncker e Humblot Editores, 1908.
TÖNNIES, Ferdinand. “Comunidade e Sociedade como entidades típico-ideais” . In: FERNANDES, Florestan. Comunidade e Sociedade. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1973. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

John Stuart Mill, o autogoverno coletivo e as classes sociais


 Em Considerações sobre o governo representativo (1861), John Stuart Mill ressalta a preponderância da participação dos cidadãos nas funções públicas, pois no exercício destes cargos, eles agem, ou são induzidos a agir, de acordo com o interesse público, considerando o bem-estar geral, além de aperfeiçoarem sua capacidade intelectual. As funções locais não são procuradas por classes altas, permitindo a presença das classes mais baixas, que consequentemente adquirem por meio da participação nos corpos locais, educação política. Esta participação torna-se relevante, sobretudo por estar relacionada à pluralidade, impedindo o surgimento de uma ditadura da maioria.
Conforme argumenta Stuart Mill, o trabalho exercido pelos cidadãos apresenta-se como rotina, constitui apenas um meio de satisfazer suas necessidades diárias e não aprimora suas faculdades mentais no sentido de elevar suas percepções acerca do mundo exterior. Há carência de faculdades enérgicas e ativas nos cidadãos. Dar-lhes algo a fazer pelo público supre essas deficiências. O autor expõe como exemplo Atenas, onde a prática dos negócios judiciais e eclesiásticos elevou o nível intelectual dos cidadãos, criando seres bem diferentes do que aqueles cuja atividade encerrava-se em trabalhar rotineiramente.                                                                                                        
Assim sendo, o autogoverno coletivo, conceito entendido como um sistema político a partir do qual a administração pública encontra-se sob o controle da sociedade, é, de acordo com as premissas de Stuart Mill, a forma ideal de governo, pois seria capaz de satisfazer as exigências sociais e dentro dele toda e qualquer participação seria relevante. Porém, devido ao fato dessa participação pessoal de todos ser impossível em grandes territórios, o tipo ideal de governo apresentado pelo filósofo é o governo representativo. Tal governo deve promover além de aperfeiçoamentos, todos os graus de desenvolvimento social bem como ações que assegurem bom desenvolvimento futuro da sociedade. Estas características devem estar presentes em qualquer uma das variedades do sistema representativo. Dentro deste sistema, o poder supremo de controle em última instância deve pertencer à massa reunida da comunidade, onde todo cidadão tem seu direito no exercício do poder supremo assegurado e também é chamado ocasionalmente a tomar parte ativa no governo por meio do exercício de alguma função pública. Na medida em que alguns forem excluídos dessa participação, seus interesses estarão nas mãos dos outros, e eles mesmos estarão em condições desfavoráveis para aplicar suas faculdades no aprimoramento de sua própria situação e da situação de sua comunidade, gerando um empecilho para o bom estabelecimento da prosperidade geral.
John Stuart Mill destaca dois males positivos do governo representativo, que, assim como as demais formas de governo, não está isento de riscos: incapacidade geral da assembleia controladora e o perigo de estar a assembleia controladora sob influência de interesses que não condizem com o bem-estar geral. Sabendo-se que há em todos os países uma classe reconhecida como pobre e outra classe como rica, pode-se identificar que entre essas duas classes há a predominância de interesses opostos entre si. De acordo com o autor, a teoria de governo que acredita que a maioria numérica é capaz de fazer o que nenhum outro depositário do poder é capaz está equivocada, pois qualquer classe social detentora do poder pode se mostrar avessa ao bem-estar geral em prol de seus interesses próprios e pautados sobre sua condição atual. De acordo com John Stuart Mill (1861, p. 67)
Pode-se contar com uma certa dose de consciência e de espírito público desinteressado por parte dos cidadãos de uma comunidade pronta para o governo representativo. Mas seria ridículo esperar uma dose suficiente dessas duas qualidades, juntamente com um discernimento intelectual suficiente para colocá-los a salvo de qualquer sofisma plausível que tendesse a disfarçar em interesse geral, e preceito de justiça e de bem público, o interesse próprio de sua classe. Todos nós sabemos o tipo de falácias preciosas que podem ser inventadas em defesa de atos de injustiça propostos, apesar de tudo, para o bem imaginário da massa.

Um dos maiores riscos à democracia e a todas as outras formas de governo consiste, portanto, na predominância dos interesses dos detentores do poder. Esse risco, em Considerações sobre o governo representativo é identificado por Mill (1861, p. 68) como sendo “[...] o perigo da legislação de classe; do governo que visa (com sucesso ou não) o benefício imediato da classe dominante, em perpétuo detrimento da massa [...]”. De acordo com o autor, toda e qualquer classe é constituída por pessoas cujo interesse é nocivo ao bem-estar geral. Numa sociedade moderna, basicamente divida em duas classes (trabalhadores e patrões), ambas só teriam suas afinidades balanceadas caso cada cidadão tivesse o mesmo número de votos no Parlamento. O sistema representativo, na perspectiva de Stuart Mill, não deveria permitir que os interesses seccionais prevalecessem acima da verdade, da justiça e dos outros interesses seccionais como um todo, pois assim haveria equilíbrio entre os interesses pessoais. Quando o poder reside exclusivamente em uma classe, esta classe deve sacrificar em favor de si mesma as outras classes, pois na ausência de seus representantes, os interesses das outras classes poderão ser negligenciados ou tratados de forma contrária ao das pessoas a quem concernem diretamente.
   Segundo o supracitado filósofo, todos os interesses ou classes devem ser representados no Parlamento, garantindo os interesses parciais defensores, sem que haja, no entanto, o poder de comandar o tribunal, reunindo as proposições de representação de classe e representação numérica, pautado no sistema exposto por Thomas Hare. Nota-se que uma ordem política justa deve promover o bem-estar para o maior número de pessoas possíveis, ainda que um grupo minoritário possa ficar em situação desfavorável, o importante é que o bem-estar da maioria seja assegurado. Nas palavras de John Stuart Mill (1861, p. 78)
Muito embora as inteligências e caracteres superiores estejam sempre em menor número, faz muita diferença o fato de serem ouvidas ou não. Na falsa democracia que, ao invés de prever a representação de todos, concede-a apenas às maiorias locais, a minoria instruída poderá não ter nenhuma voz no corpo representativo. É admitido o fato de que na democracia americana, construída de acordo com este modelo falso, as pessoas mais cultas das comunidades raramente se candidatam ao Congresso mas às Assembléias Estaduais, de tão pequena a possibilidade que têm de serem eleitas, à exceção daquelas que se mostram dispostas a sacrificar suas próprias opiniões e maneiras de pensar e a se tornarem porta-vozes de seus inferiores no saber. poupada na maior acusação que lhe pode ser feita e de um dos seus mais formidáveis males. Contra este mal, o sistema de representação pessoal proposto pelo Sr. Hare é quase que um medicamento específico.

   O ideal seria, conforme o sistema proposto por Thomas Hare e condizente com as proposições de Stuart Mill, que a minoria de mente instruída pudesse se unir para eleger um número de homens capazes, que os melhores membros tanto das classes pobres, quanto das classes ricas pudessem se reunir com o intuito de desconsiderar suas preferências de classes a fim de juntos traçarem o caminho do interesse comum.
 Os representantes da maioria, mesmo estando em maior quantidade, já não estariam mais em absoluta vantagem e estariam sujeitos à crítica dos demais, gerando um enfrentamento de ideias naturalmente saudável para fortalecer a lógica do raciocínio. Logo, só pode haver progresso social enquanto existe conflito entre os poderes, as autoridade, as diversas classes e as demais mazelas sociais.
        



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA        
MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.