quarta-feira, 14 de novembro de 2012

John Stuart Mill, o autogoverno coletivo e as classes sociais


 Em Considerações sobre o governo representativo (1861), John Stuart Mill ressalta a preponderância da participação dos cidadãos nas funções públicas, pois no exercício destes cargos, eles agem, ou são induzidos a agir, de acordo com o interesse público, considerando o bem-estar geral, além de aperfeiçoarem sua capacidade intelectual. As funções locais não são procuradas por classes altas, permitindo a presença das classes mais baixas, que consequentemente adquirem por meio da participação nos corpos locais, educação política. Esta participação torna-se relevante, sobretudo por estar relacionada à pluralidade, impedindo o surgimento de uma ditadura da maioria.
Conforme argumenta Stuart Mill, o trabalho exercido pelos cidadãos apresenta-se como rotina, constitui apenas um meio de satisfazer suas necessidades diárias e não aprimora suas faculdades mentais no sentido de elevar suas percepções acerca do mundo exterior. Há carência de faculdades enérgicas e ativas nos cidadãos. Dar-lhes algo a fazer pelo público supre essas deficiências. O autor expõe como exemplo Atenas, onde a prática dos negócios judiciais e eclesiásticos elevou o nível intelectual dos cidadãos, criando seres bem diferentes do que aqueles cuja atividade encerrava-se em trabalhar rotineiramente.                                                                                                        
Assim sendo, o autogoverno coletivo, conceito entendido como um sistema político a partir do qual a administração pública encontra-se sob o controle da sociedade, é, de acordo com as premissas de Stuart Mill, a forma ideal de governo, pois seria capaz de satisfazer as exigências sociais e dentro dele toda e qualquer participação seria relevante. Porém, devido ao fato dessa participação pessoal de todos ser impossível em grandes territórios, o tipo ideal de governo apresentado pelo filósofo é o governo representativo. Tal governo deve promover além de aperfeiçoamentos, todos os graus de desenvolvimento social bem como ações que assegurem bom desenvolvimento futuro da sociedade. Estas características devem estar presentes em qualquer uma das variedades do sistema representativo. Dentro deste sistema, o poder supremo de controle em última instância deve pertencer à massa reunida da comunidade, onde todo cidadão tem seu direito no exercício do poder supremo assegurado e também é chamado ocasionalmente a tomar parte ativa no governo por meio do exercício de alguma função pública. Na medida em que alguns forem excluídos dessa participação, seus interesses estarão nas mãos dos outros, e eles mesmos estarão em condições desfavoráveis para aplicar suas faculdades no aprimoramento de sua própria situação e da situação de sua comunidade, gerando um empecilho para o bom estabelecimento da prosperidade geral.
John Stuart Mill destaca dois males positivos do governo representativo, que, assim como as demais formas de governo, não está isento de riscos: incapacidade geral da assembleia controladora e o perigo de estar a assembleia controladora sob influência de interesses que não condizem com o bem-estar geral. Sabendo-se que há em todos os países uma classe reconhecida como pobre e outra classe como rica, pode-se identificar que entre essas duas classes há a predominância de interesses opostos entre si. De acordo com o autor, a teoria de governo que acredita que a maioria numérica é capaz de fazer o que nenhum outro depositário do poder é capaz está equivocada, pois qualquer classe social detentora do poder pode se mostrar avessa ao bem-estar geral em prol de seus interesses próprios e pautados sobre sua condição atual. De acordo com John Stuart Mill (1861, p. 67)
Pode-se contar com uma certa dose de consciência e de espírito público desinteressado por parte dos cidadãos de uma comunidade pronta para o governo representativo. Mas seria ridículo esperar uma dose suficiente dessas duas qualidades, juntamente com um discernimento intelectual suficiente para colocá-los a salvo de qualquer sofisma plausível que tendesse a disfarçar em interesse geral, e preceito de justiça e de bem público, o interesse próprio de sua classe. Todos nós sabemos o tipo de falácias preciosas que podem ser inventadas em defesa de atos de injustiça propostos, apesar de tudo, para o bem imaginário da massa.

Um dos maiores riscos à democracia e a todas as outras formas de governo consiste, portanto, na predominância dos interesses dos detentores do poder. Esse risco, em Considerações sobre o governo representativo é identificado por Mill (1861, p. 68) como sendo “[...] o perigo da legislação de classe; do governo que visa (com sucesso ou não) o benefício imediato da classe dominante, em perpétuo detrimento da massa [...]”. De acordo com o autor, toda e qualquer classe é constituída por pessoas cujo interesse é nocivo ao bem-estar geral. Numa sociedade moderna, basicamente divida em duas classes (trabalhadores e patrões), ambas só teriam suas afinidades balanceadas caso cada cidadão tivesse o mesmo número de votos no Parlamento. O sistema representativo, na perspectiva de Stuart Mill, não deveria permitir que os interesses seccionais prevalecessem acima da verdade, da justiça e dos outros interesses seccionais como um todo, pois assim haveria equilíbrio entre os interesses pessoais. Quando o poder reside exclusivamente em uma classe, esta classe deve sacrificar em favor de si mesma as outras classes, pois na ausência de seus representantes, os interesses das outras classes poderão ser negligenciados ou tratados de forma contrária ao das pessoas a quem concernem diretamente.
   Segundo o supracitado filósofo, todos os interesses ou classes devem ser representados no Parlamento, garantindo os interesses parciais defensores, sem que haja, no entanto, o poder de comandar o tribunal, reunindo as proposições de representação de classe e representação numérica, pautado no sistema exposto por Thomas Hare. Nota-se que uma ordem política justa deve promover o bem-estar para o maior número de pessoas possíveis, ainda que um grupo minoritário possa ficar em situação desfavorável, o importante é que o bem-estar da maioria seja assegurado. Nas palavras de John Stuart Mill (1861, p. 78)
Muito embora as inteligências e caracteres superiores estejam sempre em menor número, faz muita diferença o fato de serem ouvidas ou não. Na falsa democracia que, ao invés de prever a representação de todos, concede-a apenas às maiorias locais, a minoria instruída poderá não ter nenhuma voz no corpo representativo. É admitido o fato de que na democracia americana, construída de acordo com este modelo falso, as pessoas mais cultas das comunidades raramente se candidatam ao Congresso mas às Assembléias Estaduais, de tão pequena a possibilidade que têm de serem eleitas, à exceção daquelas que se mostram dispostas a sacrificar suas próprias opiniões e maneiras de pensar e a se tornarem porta-vozes de seus inferiores no saber. poupada na maior acusação que lhe pode ser feita e de um dos seus mais formidáveis males. Contra este mal, o sistema de representação pessoal proposto pelo Sr. Hare é quase que um medicamento específico.

   O ideal seria, conforme o sistema proposto por Thomas Hare e condizente com as proposições de Stuart Mill, que a minoria de mente instruída pudesse se unir para eleger um número de homens capazes, que os melhores membros tanto das classes pobres, quanto das classes ricas pudessem se reunir com o intuito de desconsiderar suas preferências de classes a fim de juntos traçarem o caminho do interesse comum.
 Os representantes da maioria, mesmo estando em maior quantidade, já não estariam mais em absoluta vantagem e estariam sujeitos à crítica dos demais, gerando um enfrentamento de ideias naturalmente saudável para fortalecer a lógica do raciocínio. Logo, só pode haver progresso social enquanto existe conflito entre os poderes, as autoridade, as diversas classes e as demais mazelas sociais.
        



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA        
MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

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